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Artigo – A possibilidade da usucapião de bem imóvel ocupado por um único herdeiro
30 DE SETEMBRO DE 2025
Decisões recentes do STJ trazem clareza à possibilidade de usucapião em herança e evidenciam os impactos da posse exclusiva na partilha familiar.
A morte de um ente querido é, inegavelmente, um momento delicado, e por isso, a divisão de bens se torna uma questão complexa que, muitas vezes, traz desafios para as famílias. Ao explorar as recentes decisões do STJ sobre a possibilidade de usucapião pelo herdeiro ocupante do imóvel herdado, o presente artigo busca trazer clareza para a jornada jurídica dos herdeiros, tendo em vista a grande importância da discussão do tema nos dias de hoje, pois protege os direitos de todos os envolvidos, e traz à tona uma questão que pode gerar conflitos familiares.
Nos termos do art. 6º do CC brasileiro1, a existência da pessoa natural, ou seja, do sujeito de direitos e deveres, possuidor de personalidade civil, se extingue com a morte, momento este em que se dá abertura ao processo de sucessão e transmissão automática da herança aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784, do CC brasileiro2).
A previsão do art. 1.784 do CC brasileiro consagra o princípio da Saisine, que reflete uma ficção jurídica e representa a transmissão imediata do patrimônio do falecido aos seus herdeiros ou legatários, mesmo que esses ainda não saibam que possuem tal direito. Tal situação visa: i) não deixar os bens sem um titular; e ii) assegurar e proteger os herdeiros. (HIRONAKA, 2011, p. 317).
Silvio Rodrigues, por sua vez, atesta que Saisine quer dizer posse, enquanto Saisine héréditaire significa que os parentes de uma pessoa falecida tinham o direito de tomar posse de seus bens sem qualquer formalidade, sendo que o tema foi transformado no brocardo “le mort saisit le vif”3, consignado no art. 724, do CC francês, que é a primeira grande positivação sobre o assunto.
Por sua vez, é de suma importância que se defina o termo herança, para que a ideia acerca do acervo do de cujus a ser partilhado seja devidamente trilhada. O que se observa é que ao falecer, o indivíduo deixa um conjunto único de bens e dívidas, considerado como seu acervo patrimonial que engloba tudo o que ela possuía no momento da morte.
Essa massa de bens é vista como um todo indivisível, até que seja formalmente dividida entre os herdeiros ao final da sucessão, motivo pelo qual, termos como espólio e acervo comum são usados para se referir a essa totalidade, que só se tornará individualizada para cada herdeiro após o processo de partilha.
Segundo Paulo Nader a herança pode ser conceituada, abrangendo um aspecto mais amplo, quais sejam: “[…], corresponde à totalidade das relações jurídicas deixadas por morte, abrangendo, portanto, direitos e obrigações. Strictu senso refere-se aos bens efetivos devidos aos herdeiros, pós o pagamento das dívidas. O vocábulo é empregado, ainda, ora em sentido objetivo, para indicar o patrimônio deixado pelo de cujus, ora sentido subjetivo, como fenômeno de sub-rogação dos herdeiros nos direitos e obrigações. […]” (NADER, 2016, p.5).
Assim, com a morte da pessoa natural, inicia-se a sucessão de seus bens, transmitindo-se assim a totalidade de seu espólio aos seus herdeiros, legítimos ou testamentários que, ao final da partilha, serão detentores das suas cotas parte.
Um ponto interessante e que gera severas discussões no momento da sucessão, diz respeito ao herdeiro que permanece no imóvel do falecido, antes mesmo da finalização da partilha, exercendo a posse mansa e pacífica do bem, mantendo as contas em dia e realizando benfeitorias.
Neste contexto é que surgem os importantes e recentes entendimentos do STJ sobre o tema, que podem ter um impacto significativo na forma como os bens de herança são administrados no país. O Tribunal Superior consolidou o entendimento de que, em certas circunstâncias, um herdeiro que ocupa de maneira exclusiva e contínua um imóvel deixado pelo de cujus, durante a tramitação do inventário, pode, por meio da usucapião, adquirir a totalidade da propriedade do bem.
A tese foi consolidada no julgamento do agravo interno no REsp 2.355.307/SP4, e reforçou o que já havia sido tratado no julgamento do REsp 1.631.859/SP5. Na decisão, publicada em 27/6/2024, o d. ministro Raul Araújo, consignou que:
“[…] Ocorre que a jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que há possibilidade da usucapião de imóvel objeto de herança pelo herdeiro que tem sua posse exclusiva, ou seja, há legitimidade e interesse de o condômino usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião extraordinária. […] (ARAÚJO, 2024, p. 4).
Observa-se que a decisão valida a possibilidade de um herdeiro que ocupa sozinho um bem de família por um período prolongado e se comporta como seu único proprietário, de fato, ter o direito de reivindicar a posse completa, mesmo que outros familiares também tenham direitos sobre o mesmo imóvel.
Essa tese, entretanto, não implica na transferência automática da propriedade. É indispensável iniciar um processo legal de usucapião, apresentando provas suficientes de que todas as condições previstas em lei foram cumpridas para que a posse exclusiva seja transformada em propriedade legal.
Neste sentido, a parte interessada deve observar as diretrizes da usucapião extraordinária (art. 1.238 e parágrafo único do CC brasileiro6). Os prazos exigidos pela legislação variam, sendo que a posse deve ser de 15 (quinze) anos contínuos e sem contestação para a modalidade comum, podendo essa exigência de tempo ser reduzida para 10 (dez) anos, caso o herdeiro prove que utilizou a propriedade para fins de moradia permanente ou que realizou melhorias significativas e úteis no local.
Neste contexto, para o herdeiro, a usucapião extraordinária se mostra como possibilidade de transformar a posse em propriedade legal, desde que ele se comporte como o único proprietário e cumpra todos os requisitos da lei, comprovando a posse exclusiva com o recolhimento de impostos e pagamentos de contas diversas, tudo isso sem oposição dos demais herdeiros.
A nova interpretação da lei também gera alertas para os outros herdeiros. Quem não mora no imóvel e não compartilha da posse pode perder sua cota-parte na propriedade se não agir para proteger seus direitos.
É crucial que os herdeiros fiquem atentos à situação e busquem aconselhamento legal rapidamente, especialmente se um dos familiares estiver usando o imóvel de forma exclusiva.
Fonte: Migalhas
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