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Artigo – A morte do país na tragédia diária de óbitos e de órfãos – Por Jones Figueirêdo Alves
12 DE ABRIL DE 2021


O país está morrendo mais a cada dia, no poder absoluto e trágico dos números de mortes de sua população e atingiu em março passado o menor patamar da série histórica do Registro Civil, ou seja, uma maior e inusitada aproximação entre os nascidos e os mortos, quando 178.938 óbitos foram levados a registro, diante de 227.877 atos de novos nascimentos. A diferença entre ambos foi equivalente a 27%, no último mês, com a expressão numérica de apenas 47.939 atos que os separam. Mais grave: os primeiros dias de abril registram a quebra histórica com um saldo negativo de nascimentos.

Enquanto isso, diante de um país perplexo e enlutado, na tragédia diária de óbitos e de órfãos, busca-se construir uma legislação do dano morte, inexistente no direito civil brasileiro, para indenizações autônomas, como a tentativa da recente Lei nº 14.128, de 26 de março de 2021. A rigor, no entanto, as supressões ilícitas de vidas reclamam urgentemente uma ordem jurídica mais objetiva e assecuratória em tratando da repercussão do dano morte, como ocorre em outros países.

A novel lei estabelece compensação financeira, em duas únicas prestações, de valores fixo e variável, para o cônjuge ou companheiro, aos dependentes e aos herdeiros necessários dos profissionais e trabalhadores de saúde, levados a óbito, no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid 19, ou ainda, de agentes comunitários de saúde.

Pois bem. A redução histórica registral dentro dos últimos doze meses é da ordem de 72%, observada desde o início da pandemia, quando já registrado um ano a partir da declaração da Organização Mundial da Saúde, de 11.03.2020. Em outras palavras (diga-se, em outros percentuais), anota-se “entre 2019 e 2020 um aumento de 8,3% no registro de mortes no Brasil” e que neste primeiro trimestre, em relação a idêntico período do ano passado, os registros de óbito cresceram 39,4% [1].

Os números do Portal da Transparência do Registro Civil [2], base de dados abastecida em tempo real e administrada pela Associação Nacional dos Registradores do Brasil (ARPEN-Brasil), apontam para essa redução trágica, desencadeando reflexões urgentes, exames de consciência e sentimentos de perdas.

No peso dos números, a descontinuidade na história demográfica do país experimenta o grande impacto da equação que representa as mortalidades. Mais famílias enlutadas, mais órfãos, menos vidas, menos crescimento populacional.

Expressivos dados indicam a indiscutível gravidade de uma tragédia humanitária a refletir:

(i) No presente mês em curso, até o último dia 6, o país registrou mais atos de óbitos que os de nascimentos, com maiores índices negativos em São Paulo (8.336 vs. 7.830), Rio de Janeiro (3.674 vs. 2.925) e Minas Gerais (3.214 vs. 2.623), quando o país se aproxima de 350 mil mortes provocadas pela Covid 19. Essa marca negativa já representa um fato inédito na história demográfica do país [3];

(ii) Neste primeiro trimestre, foram lavrados 434.351 óbitos segundo a ARPEN- Brasil, quando dentro deste quantitativo registraram-se 131.633 mortes por Covid-19. No período, em dois Estados verificou-se um saldo negativo de nascimentos, com mais mortes no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, em março e janeiro, em respectivo (RS: 15.802 vs.11.971; RJ: 15.673 vs. 15.555);

(iii) Em 2020, foram registrados em todo o país 1.443.405 óbitos, com aumento de 8,3% em relação ao ano anterior; importando assinalar a superação de uma média histórica de variação anual de mortes que era até 2019 entre 1,5% e 1,9% ao ano.

(iv) Os óbitos do primeiro trimestre deste ano resultantes da Covid representam praticamente a metade dos óbitos de todo o período da pandemia, provocados pelo coronavírus.

Diante de tal contexto, com as maiores marcas registrais de óbitos, há de se ponderar, com premência, não se tratar somente de números multiplicados em maior velocidade temporal. Neles, estão vidas interrompidas em famílias fragmentadas pelas perdas dos seus entes queridos. Na disseminação dos muitos lutos, nas afetações familiares por fragmentação, o país morre mais, deixando de aprovisionar seu futuro diante da perda de milhares de membros do seu produto humano essencial. Cada vida perdida é um déficit no seu desenvolvimento sustentável.

Nessa linha, impende conceder o devido destaque ao papel institucional dos Registradores Civis e da Central de Informações do Registro Civil (CRC), quando se situam presentes em todo o país, com 7.644 cartórios em funcionamento e que trabalham para conferir cidadania às pessoas como sujeitos de direitos a partir de seus dados registrais. Com pertinência finalística, tornaram-se Ofícios de Cidadania (Lei nº 13.484/2017). As serventias têm funcionado em perfeita dinâmica e a tempo instante durante a pandemia.

Os dados da crise humanitária do país, com as mortes da pandemia, ingressam no mundo jurídico, com a atualidade registral necessária ao urgente tratamento das informações. No ponto, a sociedade civil assume os números da morte com a consciência crítica de que algo precisa de ser feito. O Portal da Transparência do Registro Civil, mantido pela ARPEN-Brasil é um instrumento indispensável, um serviço essencial decisivo.

Cuide-se considerar, nesse trato, as condições normativas atuais regentes que orientam as informações de dados registrais. Vejamos:

(i) Consabido que o artigo 29, inciso III, da Lei nº 6.015/1973 dispõe que serão registrados os óbitos no registro civil de pessoas naturais e que, segundo o art. 80 da mesma lei, o assento de óbito deverá conter, entre outros informes, se o falecido deixou filhos, nome e idade de cada um e se deixou bens e herdeiros menores e interditos, certo e iniludível é que os referidos dados (7º e 10º do artigo 80) reclamam maior visibilidade perante as autoridades públicas.

Nessa sequência, o Decreto nº 7.231, de 14 de julho de 2010, que regulamenta o reportado artigo 29 da lei registral, estabelece apenas que a certidão decorrente de tais registros, observará modelo determinado em ato do Ministério da Justiça e nada refere ao tratamento dos dados, inclusive para as políticas públicas admitidas necessárias.

(ii) Em seguida, cumpre destacar o Provimento nº 46, de 16 de junho de 2015, do Conselho Nacional de Justiça que instituiu a Central de Informações de Registro Civil das Pessoas Naturais (CRC), dispondo que ela “será organizada pela Associação Nacional dos Registradores das Pessoas Naturais – ARPEN- Brasil, que se apresenta como titular dos direitos autorais e de propriedade intelectual do sistema, do qual detém o conhecimento tecnológico, o código-fonte e o banco de dados (…) (art. 2º).

Cuida o normativo dos meios tecnológicos e do seu aprimoramento para o acesso das informações exclusivamente estatísticas à Administração Pública Direta e das funcionalidades da Central que devem ser disponibilizadas. No mais, os óbitos que deverão ser anotados, com as remissões recíprocas, nos assentos de casamento e de nascimento, e o casamento no deste (art. 107, Lei 6.015/1973), terão as comunicações obrigatoriamente enviadas pela Central (art. 8º, Provimento n. 46/2015-CNJ).

(iii) Em outro giro, o art. 68 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 (Lei da Organização da Seguridade Social) dispõe acerca do rol das informações que o titular do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais remeterá ao INSS, em até 1 (um) dia útil, pelo Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (SIRC) ou por outro meio que venha a substituí-lo. Trata-se da relação dos nascimentos, dos natimortos, dos casamentos, dos óbitos, das averbações, das anotações e das retificações registradas na serventia.

Ocorre, todavia, a necessidade urgente da coleta de dados referentes aos óbitos de pessoas que deixaram herdeiros menores ou interditos, para fins de políticas públicas a eles direcionadas, a exemplo da tratada pela recente Lei nº 14.128, de 26 de março de 2021.

Apresenta-se indispensável saber diante do incremento de óbitos, designadamente multiplicados pela Covid19, o quantitativo de pessoas falecidas que deixaram órfãos e/ou dependentes necessários e quantos seriam estes. Essa possibilidade de acesso estatístico de tais dados inexiste, porquanto não disponíveis pela Central; dificultando, sobremodo, a coleta dos dados para os fins antes referidos de uma política pública, objetiva e direcionada.

Suficiente será, a nosso sentir, que essa coleta seja autorizada/determinada pelo Conselho Nacional de Justiça, em revisão do seu Provimento nº 46/2015, com a abertura de mais um campo de dados a serem informados (órfãos e interditos e herdeiros necessários), possibilitando-se que, com a posse dos dados específicos, sejam extraídas as estatísticas pertinentes.

Demais disso, como se trata de dados anonimizados, fácil será compreender que a inclusão, pela Central, independerá de lei, tudo recomendando que esses dados devam ser facilmente detectados pela Administração Pública. A coleta dos dados também atenderá a um planejamento estratégico que sirva, a contento, ao problema social e jurídico das orfandades precoces, notadamente diante do avanço da mortalidade da pandemia e da falta do seu controle eficaz.

Vale referir ao tempo que os óbitos disparam, em níveis estatísticos alarmantes, que a ARPEN-Brasil tem se empenhado na satisfatória prestação dos serviços registrais, vindo o seu presidente, Gustavo Renato Fiscarelli, destacar a permanente vigília dos Cartórios de Registro Civil do Brasil no desiderato da melhor, contínua e mais eficiente prestação aos usuários, com a atualização permanente do número de registros de óbitos em meio à pandemia.

Nesse propósito, o Portal da Transparência do Registro Civil, site de livre acesso [4], foi desenvolvido “para disponibilizar ao cidadão informações e dados estatísticos sobre nascimentos, casamentos e óbitos, entre outros conteúdos relacionados” e nele foram introduzidas seções especiais “para informar a sociedade sobre os óbitos relacionados à Covid19”.

Lado outro, sublinhe-se a relevante importância, no viés tecnológico, da plataforma social CRA Nacional, a citada Central de Registro Civil de Pessoas Naturais. Sobre o sistema, inicialmente criado pela ARPEN-SP em parceria com a Corregedoria Geral de São Paulo (Provimento CGJ-SP nº 19/2012), e expandido pelo CNJ, Estela Luíza Carmona Teixeira e Patrícia Silva de Almeida, em interessante estudo, mencionam que a plataforma foi “gestada como ferramenta indispensável à publicidade registral e modernizando a atividade cartorária brasileira” [5]; pelo que a Central, não há negar, também se destina ao interesse dos gestores públicos do país.

Nesse sentido, um módulo destinado aos dados sensíveis e anonimizados de óbitos daqueles que deixam órfãos e herdeiros necessários, notadamente vulneráveis, certamente em muito contribuirá para o implemento de novas políticas públicas que se reclamam imprescindíveis.

Induvidoso que a pandemia da Covid19 tem afetado o mundo e, particularmente o nossos país. Um recorde trágico brasileiro, alcançado terça-feira última (06.04.2021), com 4.195 mortes por Covid registradas em 24 horas, tem seu patamar revelado ao mundo quando em apenas um dia o número “supera o que 133 países registraram, separadamente, durante um ano inteiro de pandemia”. Ou ainda: “em março, haviam morrido mais pessoas de covid-19 no Brasil do que em 109 países juntos durante a pandemia inteira”.

Mais precisamente: “Hoje, o Brasil tem 2,7% da população mundial, mas concentra 37% das mortes que ocorrem no mundo. Morre-se mais no Brasil de covid-19 do que em continentes inteiros: Europa, Ásia, África, Oceania ou no restante da América” (05)

O país está morrendo mais, porque inclusive convive com danos existenciais e com os danos tanatológicos em frustação da vida dos que as perderam pela Covid19. Mortes indignas, evitáveis muitas delas, mortes que enfermam o país e gerações.

Talvez apenas o futuro, por seus juristas e historiadores poderá, à luz do tempo hoje experienciado, alcançar a magnitude dos danos, das perdas históricas dos valores pessoais das vítimas, em cada família e nos seus setores de produção, enfim os próprios danos das súbitas privações de vida.

Mas, certamente agora, o país e a sociedade, por seus legisladores, poderão urgentemente reconhecer a imensa lacuna da ordem jurídica, para a compensação dos danos da morte, não patrimoniais, introduzindo na lei o Dano-Morte, em proteção dos direitos, para os fins de indenizabilidade.

Afinal, não há cogitar que o impacto registral da menor diferença entre natalidade-mortalidade, ou o da grave superação da equação natural, quando apenas previsto pelo IBGE as linhas de nascimento e óbitos se cruzarem somente em 2047, seja debitado a um fenômeno de fertilidades declinantes ou de maternidades postergadas à conta da pandemia. Incontroverso se torna reconhecer a tragédia diária e, nessa percepção, a sociedade se unir para vencê-la, com políticas sanitárias enérgicas e públicas para a proteção de órfãos e dependentes.

Aliás, a Lei nº 14.128/2021, ao instituir compensações financeiras, no seu artigo 3º, II, apenas beneficiou com uma prestação variável em função da faixa etária, cada um dos dependentes menores dos falecidos por COVID19, excluindo, inexplicavelmente o cônjuge ou companheiro. Estes resultaram apenas beneficiados (inc. I), com uma prestação de valor fixo, ainda assim, por rateio entre todos os beneficiários, deixando a lei de considerar nessa prestação a seu favor, a duração provável da vida da vítima, como sucede com a indenização do art. 948, II do Código Civil.

De efeito, proclame-se a necessidade de enfrentamento do problema, com os tratamentos dos dados registrais, em proteção dos órfãos, interditos e herdeiros necessários, quando a sociedade precisa saber quantos foram eles que se tornaram também vítimas.

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