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Artigo – Direito real de habitação sobre imóvel de propriedade de terceiros estranhos à sucessão – Por Janaina Chiaradia
08 DE DEZEMBRO DE 2020
Em mais uma matéria da série, dentro do In Loco, com a amiga, expert na área de Direito Imobiliário e Urbanístico, Debora de Castro da Rocha, e seus convidados, nos apresenta suas reflexões e ensinamentos… então vamos lá!
DIREITO REAL DE HABITAÇÃO SOBRE IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE TERCEIROS ESTRANHOS À SUCESSÃO.
Debora Cristina de Castro da Rocha[1]
Camila Bertapelli Pinheiro[2]
Resumo
A presente análise se sustenta na previsão constante no artigo 1.831 do Código Civil, que trata especificamente sobre o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente, quando se propicia ao cônjuge supérstite o direito de permanecer residindo no imóvel que servia de moradia do casal independentemente do regime de bens. E na mesma perspectiva, o parágrafo único do artigo 7º, da Lei 9.278/96, que estende aos conviventes o mesmo direito. Contudo, em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, firmou-se o entendimento de que havendo coproprietários do imóvel, cuja aquisição imobiliária tenha ocorrido anteriormente ao óbito do de cujus, descaracterizado estaria o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente, uma vez que nesse caso se estaria diante de imóvel de propriedade de terceiros.
Assim, a priori, necessário se faz considerar que o direito real de habitação consiste no direito que possui o cônjuge supérstite independente do regime de bens do casamento de permanecer residindo no imóvel após o falecimento do de cujus, desde que seja o único bem residencial a ser inventariado, não havendo limitações temporais ao exercício do direito assegurado, conforme disposto no artigo 1.831 do Código Civil
Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Dessa forma, consoante previsão legal, o direito real de habitação somente se extinguirá com a morte do cônjuge beneficiário. Todavia, como não se trata de um direito indisponível, poderá extinguir-se mediante a renúncia do seu titular. Nesse aspecto, pode ser considerada a concretização do direito constitucional à moradia, atendendo questões de ordem social e humanitária, em razão da existência de vínculo afetivo estabelecido pelo casal com o imóvel no qual estabeleceram seu lar.[3]
A despeito das garantias estampadas no referido artigo de lei, tem-se que, analisando-o objetivamente, pode-se perceber que não há qualquer previsão estabelecendo os limites desse direito real de habitação, tampouco, se diante da excepcionalidade de algumas situações, haveria a possibilidade de “flexibilizar” esse direito.
Considerando o texto da lei que logo remete o mais desavisado à sua mera literalidade, não restam dúvidas de que, diariamente, inúmeros são os questionamentos e confusões sobre a sua aplicação, mormente quando se leva em consideração única e tão somente o direito real de habitação, mesmo sabendo-se que atender apenas o direito real de habitação pode conflitar com outros direitos igualmente resguardados e relevantes para a ordem jurídica, que não raro, geram desproporcionalidade e desequilíbrio entre o cônjuge/convivente supérstite e os demais herdeiros sucessórios.
Para além da inteligência do texto normativo, que culminava com o entendimento equivocado sobre a aplicação do direito real de habitação, a própria jurisprudência trazia posicionamentos contraditórios, contribuindo ainda mais para a instauração da dúvida quanto à aplicação do instituto, especialmente diante da existência de coproprietário estranho à sucessão.
Dentro desse panorama, cediço que quando analisado o instituto do direito real de habitação sem o necessário cotejo com outros institutos importantes, sua generalização acaba se firmando como regra, criando-se a partir daí uma falsa ideia de que basta o óbito de um dos cônjuges para a satisfação do direito do cônjuge supérstite de manter-se no imóvel sem que aos demais herdeiros seja possibilitado o exercício do seu direito decorrente da percepção do seu quinhão. Todavia, há que se destacar que tal regra não é absoluta no caso concreto.
Todas as variáveis na aplicação do instituto devem ser observadas, como por exemplo, a existência de herdeiros; se há copropriedade; se há condomínio instituído; a existência de relação de comodato, casos em que o pedido de reintegração de posse estaria amparado, pois a manutenção do imóvel em favor do cônjuge supérstite estaria desprestigiando aquele que seria o legítimo proprietário desse bem em discussão.
Diante disso, a jurisprudência vem assentando o entendimento de que não há direito real de habitação no caso de copropriedade de terceiro pactuada antes do óbito e não no início da partilha.
Assim se apresenta o entendimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, senão vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. IMISSÃO DE POSSE. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DE CÔNJUGE SUPÉRSTITE. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAR O DIREITO DE PROPRIEDADE DO COPROPRIETÁRIO E FILHO DA FALECIDA. SENTENÇA CONFIRMADA. Descabido o pleito de reconhecimento do direito real de habitação, pois implicaria em limitação ao direito de propriedade de José Mário T.C., pessoa legítima para reaver a posse de imóvel que lhe é próprio na condição de proprietário, nos termos do artigo 1228 do CC, e de sucessor, eis que filho da falecida. Apelação desprovida, por maioria. (Apelação Cível Nº 70077465805, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em 04/04/2019).
(TJ-RS – AC: 70077465805 RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Data de Julgamento: 04/04/2019, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 12/04/2019)[4]
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, em sede de Embargos de Divergência, firmou o entendimento de que, havendo copropriedade de terceiro anterior à abertura da sucessão, há impedimento ao reconhecimento do direito real de habitação:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COPROPRIEDADE DE TERCEIRO ANTERIOR À ABERTURA DA SUCESSÃO. TÍTULO AQUISITIVO ESTRANHO À RELAÇÃO HEREDITÁRIA. 1. O direito real de habitação possui como finalidade precípua garantir o direito à moradia ao cônjuge/companheiro supérstite, preservando o imóvel que era destinado à residência do casal, restringindo temporariamente os direitos de propriedade originados da transmissão da herança em prol da solidariedade familiar. 2. A copropriedade anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito real de habitação, visto que de titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito. 3. Embargos de divergência não providos.
(STJ – EREsp: 1520294 SP 2015/0054625-4, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 26/08/2020, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/09/2020)[5]
No acórdão da decisão, a relatora, ministra Isabel Galotti afirmou que o direito real de habitação possui a finalidade de garantir a moradia ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, preservando o imóvel que servia de residência para a família, independente do regime de bens adotado, conforme assenta o código civil.
Entretanto, o mais importante nessa decisão se apresenta na fundamentação do seu voto, proferido com base no entendimento do ministro Luís Felipe Salomão, em caso assemelhado, nos seguintes termos: “o direito real à habitação limita os direitos de propriedade, porém quem deve suportar tal limitação são os herdeiros do de cujus, e não quem já era proprietário do imóvel antes do óbito”.
Diante disso, a conclusão da ministra fora de que “no caso em debate, entendo que tal direito não subsiste em face do coproprietário embargado, cujo condomínio sobre a propriedade é preexistente à abertura da sucessão do falecido (2008), visto que objeto de compra e venda registrada em 1978, antes mesmo do início do relacionamento com a embargante (2002)”.
Oportuno salientar que toda narrativa se estrutura no sentido da instituição de um condomínio que se extingue com o falecimento do de cujus, devendo assim ser assegurado o direito de propriedade daquele que adquiriu o imóvel antes da união do casal.
Pois bem, em uma análise dos acórdãos supra, conclui-se que muito embora a lei não seja clara, deixando de trazer exceções, esse entendimento firmado recentemente tem o condão de minimizar a insegurança jurídica instaurada pelo artigo 1.831 do Código Civil, se revelando inequívoco ao dispor que o estranho à sucessão terá seu direito garantido de haver o imóvel para si.
Por fim, em decorrência lógica de tudo que tem sido observado na jurisprudência, não há como se conceber a manutenção do imóvel em favor do cônjuge supérstite quando houver copropriedade anterior, podendo-se ir até mais longe, especialmente, quando além de coproprietários, existem herdeiros, justamente porque, diante de um caso concreto, a depender do imóvel objeto da sucessão, não haverá como efetivar o direito dos primeiros, sem efetivar o direito dos segundos.
[1] Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (2010), advogada fundadora do escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso; Doutoranda em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba; Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba; Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD); Professora da pós-graduação do curso de Direito Imobiliário, Registral e Notarial do UNICURITIBA, Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA), Professora da Pós-graduação da Faculdade Bagozzi e de Direito e Processo do Trabalho e de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos e para a OAB; Pesquisadora do CNPQ pelo UNICURITIBA; Pesquisadora do PRO POLIS do PPGD da UFPR; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018, Vice presidente da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018; Membro da Comissão de Direito Imobiliário e da Construção da OAB/seção Paraná triênio 2013/2015 e 2016/2018; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da Associação Brasileira de Advogados (ABA) Curitiba; Membro da Comissão de Direito à Cidade da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão do Pacto Global da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/seção Paraná; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM; Segunda Secretária da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ); Palestrante, contando com grande experiência e com atuação expressiva nas áreas do Direito Imobiliário, Urbanístico, Civil, Família e do Trabalho, possuindo os livros Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Licenciamento Ambiental Irregularidades e Seus Impactos Socioambientais e vários artigos publicados em periódicos, capítulos em livros e artigos em jornais de grande circulação, colunista dos sites YesMarilia e do SINAP/PR na coluna semanal de Direito Imobiliário e Urbanístico do site e do programa apresentado no canal 5 da NET – CWB TV.
[2] Possui graduação em Direito pela Universidade Positivo (2019), advogada no escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso. E-mail: camila.dcr.adv@gmail.com.
[3] OLIVEIRA, Carolina Ramires de. Direito real de habitação do cônjuge supérstite: há possibilidade de limitá-lo? Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2020-mar-09/direito-real-habitacao-conjuge-superstite-possibilidade-limita-lo#_ftnref4 > Acesso em 29 nov. 2020.
[4] Apelação Cível, Nº 70077465805, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em: 04-04-2019. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 29 de novembro de 2020.
[5] Embargos de Divergência, nº EREsp: 1520294 SP 2015/0054625-4, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 26/08/2020, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 02/09/2020. Disponível em: <stj.jus.br>. Acesso em 29 de novembro de 2020.
Fonte: Paraná Portal
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