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Oficina Notarial e Registral: Título nulo – Cancelamento de registro – bloqueio de matrícula – Por Sérgio Jacomino
03 DE MAIO DE 2024
OFICINA NOTARIAL E REGISTRAL. Declaração de nulidade de ato de averbação. Bloqueio de matrícula. A declaração de nulidade da averbação deve ser buscada na via jurisdicional. Além disso, o instituto do bloqueio de matrícula, nos termos do art. 214 da LRP, é remédio jurídico para a nulidade de atos de registro, não do título que lhe serviu de calço.
Na diuturnidade dos cartórios, sempre topamos com situações como a tratada no processo que acaba de ser julgado excelentemente pela magistrada da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo. No caso concreto, houve a declaração de nulidade do título que serviu de base para a consumação de averbação relativo a determinado bem imóvel – cancelamento de promessa de compra e venda.
Soa lógico ao senso comum que a declaração judicial de nulidade do título há de fulminar, como espécie de repercussão eficacial, o registro que é o seu supedâneo. Entretanto não é assim. Conheça, abaixo, as razões da denegação do acesso do título e a decisão que afinal julgou procedentes as razões deste Oficial.
Uma nota de advertência se faz necessária: o processo julgado em primeira instância pode ser objeto de recurso perante a Eg. Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo. Portanto, o leitor não deve fiar-se com a certeza da orientação da decisão até o trânsito em julgado da sentença prolatada no pedido de providências.
Situação registrária do imóvel
Comecemos com a determinação da situação jurídica do imóvel. DDL prometeu vender o imóvel a LAA (R.2, de 10/1/2012). Posteriormente, a promessa foi distratada (Av. 4, de 24/4/2012). Em decorrência do distrato, o imóvel voltou ao domínio do promitente-vendedor e se acha registrado em nome da empresa DDL.
Nulidade do distrato versus nulidade do registro
A Requerente, M, na qualidade de única herdeira do Espólio de LAA, falecido em 8/6/2019 (fls. 4), pretende ver declarada a nulidade da averbação da Av. 4 com base no art. 216 da LRP, que reza:
Art. 216 – O registro poderá também ser retificado ou anulado por sentença em processo contencioso, ou por efeito do julgado em ação de anulação ou de declaração de nulidade de ato jurídico, ou de julgado sobre fraude à execução.
As hipóteses previstas no dito dispositivo devem decorrer de sentença prolatada em processo ordinário, i. e., a anulação deve decorrer de ação ordinária ou de declaração de nulidade de ato jurídico, de onde partirá a ordem judicial, transitada em julgada, bastante e eficaz para o cancelamento da averbação 4 da Matrícula X.
A nulidade aqui tratada não é do registro, mas do título causal. A via administrativa não é o meio próprio para a decretação de nulidade de ato de registro e, via de consequência, do cancelamento da inscrição.
Investigando a origem da nulidade do título, na ação declaratória movida contra RR e JUCESP (Processo 1018996-45.2015.8.26.0053), que teve curso perante a 13ª Vara da Fazenda Pública da Capital de São Paulo, declarou-se a nulidade da alteração contratual, impondo à JUCESP a obrigação de proceder as anotações necessárias (fls. 27/30). Entretanto, não se pleiteou, naquela via, o cancelamento do ato de registro que se fez por efeito revérbero da decretação de nulidade do distrato.
Bloqueio administrativo da matrícula
A interessada postula a decretação de nulidade da Av. 4, “mediante a expedição do competente mandado ao Oficial do 5º Registro de Imóveis para o efetivo cumprimento da providência requerida”. Entretanto, cautelarmente, requer ainda “seja determinado o bloqueio da matrícula até final decisão na presente via administrativa”, consoante o § 3º do art. 214 da LRP, in verbis:
3º Se o juiz entender que a superveniência de novos registros poderá causar danos de difícil reparação poderá determinar de ofício, a qualquer momento, ainda que sem oitiva das partes, o bloqueio da matrícula do imóvel.
Contudo, o referido § 3º vincula-se naturalmente ao caput do art. 214, que reza que as “nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta”.
Provou-se, na ação declaratória, a nulidade da alteração contratual da empresa DADL (fls. 30 dos autos), não a nulidade do ato de averbação. Relembremos que o registro, enquanto não cancelado, “produz todos os efeitos legais”, ainda que se prove que o título está anulado (art. 252 da LRP). A decretação de nulidade do título não alcança aqueles que, fiados na proclamação da situação jurídica pelo registro (publicidade formal e material do registro) tenham realizado negócios ou transações econômicas. O registro projeta seus efeitos erga omnes, razão pela qual não pode ser anulado ou cancelado, salvo na via da ação ordinária. Está em causa o interesse público na regularidade e estabilidade dos registros. Este é o texto legal:
Art. 252 – O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.
É longeva a orientação da CGJSP no sentido de que o bloqueio de matrícula ocorre em decorrência de vício registrário extrínseco, i.e., do próprio registro, e não de vício intrínseco, decorrente de invalidade do título:
“Em outras palavras, ainda à luz do entendimento adotado por esta Corregedoria Geral da Justiça, somente é possível o bloqueio administrativo em situação de vício registrário extrínseco, ou seja, do próprio registro, e não de vício intrínseco, decorrente de invalidade do título apresentado ao Oficial Registrador (Processo CG n. 1032/20061). E assim é, pois ‘o bloqueio não se presta a acautelar, de modo eminente e principal, o direito dos particulares, e sim, antes e sobretudo, o interesse público na regularidade dos assentos. Por isso mesmo é que a providência se liga, primordialmente, a irregularidades encontradas diretamente nos atos de registro (as assim chamadas nulidades extrínsecas), e não a defeitos encontrados nos fatos jurídicos subjacentes (as denominadas nulidades intrínsecas), como sucede no caso em discussão, no qual a medida foi tomada por força de deficiências encontradas nos títulos (…)’ (cf. Parecer nº 379/2021-E, elaborado pelo MM. Juiz Assessor, Dr. Josué Modesto Passos, nos autos do Processo CG nº 2021/330202, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Des. Ricardo Mair Anafe)3.
Tratando-se, portanto, de vício que inquina o título e não o registro, insuscetível autorizar-se o bloqueio administrativo pretendido, consoante decidido no processo supra referido.
Na verdade, o tema é pacífico na jurisprudência administrativa da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, brevitatis causa:
Registro imobiliário – bloqueio administrativo da matrícula – medida excepcional que tem por escopo evitar que novos registros sejam feitos a partir de um registro maculado ou corrigir erros pretéritos – inexistência de nulidade de pleno direito – inteligência do artigo 214 da Lei de Registros Públicos – eventual nulidade do título com reflexo no registro que somente poderá ser dirimida nas vias ordinárias, inclusive porque a controvérsia já foi levada à esfera jurisdicional – parecer pelo não provimento do recurso.4
Recurso administrativo – Pedido de Providências – inexistência de nulidade de pleno direito – inteligência do art. 214 da Lei nº 6.015/73 – registro que goza de presunção de validade e legalidade – art. 252 da Lei de Registros Públicos – bloqueio da matrícula que não pode persistir na esfera administrativa e deverá ser perquirido na via jurisdicional adequada – parecer pelo não provimento do recurso.5
Cautelas registrais
Chamo de cautelas registrais todo tipo de diligência que o oficial pode proceder para tomar suas decisões com o maior grau de certeza e segurança – especialmente agora, que os oficiais têm acesso aos processos judiciais.
Pesquisamos o andamento do processo que declarou a nulidade do título. O instrumento de distrato, datado de 26/3/2012, foi subscrito por RRS representante da DDL e por LAA. As firmas foram reconhecidas por tabelião (fls. 24/25). Para a prova de representação da sociedade, por ocasião da averbação, foram apresentados os seguintes documentos (arquivados no protocolo 256.536):
1) Ficha cadastral completa da DDL, emitida em 3/4/2012 pela JUCESP, tendo como último arquivamento o registro 474.585-11-6 de 29/11/2011, em que se verifica a retirada da sociedade de PD, ingressando RRS; e
2) Instrumento de alteração e consolidação contratual da sociedade empresária DDL datado de 31/10/2011, apresentado em cópia autenticada.
A ficha cadastral completa (juntada nos autos – fls. 35/36), emitida em 14/11/2019 pela JUCESP, consta anotação datada de 1/7/2015 e outra anotação de n. 891.334/17-8, datada de 4/12/2017, em cumprimento a determinação da MM. Juíza da 13ª Vara da Fazenda Pública da Capital, processo n. 1018996-45.2015.8.26.0053, da existência da ação declaratória, bem como a concessão da tutela judicial de evidência para suspender os efeitos da alteração contratual. Portanto, anotações que foram feitas muito tempo depois da averbação feita na matrícula.
Consta outra anotação datada de 8/9/2020, conforme ficha cadastral emitida em 9/9/2020 pela JUCESP, da sentença que declarou a nulidade da alteração contratual (juntada às fls. 49/50).
A anotação pela JUCESP em cumprimento a ordem judicial deu-se em data posterior à prática do ato de averbação que se pretende cancelara. (Av. 4). Como se vê, a prática do ato de averbação observou todas as formalidades legais para sua consumação.
Conclusões
A nulidade do contrato pode reflexamente acarretar a anulação e cancelamento da averbação. Contudo, a via eleita para o cancelamento da inscrição não é o meio adequado para alcançar o desiderato. Além disso, o instituto do bloqueio de matrícula, nos termos do art. 214 da LRP, é remédio jurídico para a nulidade de atos de registro, não do título que lhe serviu de calço.
Decisão
O processo foi julgado e a r. decisão, proferida pela Dra. Renata Pinto Lima Zanetta6, acolhendo as razões apresentadas por nós, indeferiu o registro. Segundo a magistrada, “sem vício direto e exclusivo dos registros, que apenas indiretamente podem ser atingidos por eventual vício de seus títulos causais, impõe-se reconhecer a necessidade de ação judicial”. E averba:
“Em outros termos, eventual nulidade do título apresentado por vícios intrínsecos exacerba a esfera administrativa e deve ser discutida na via própria (contencioso cível), com observância do contraditório” (…)
Importa mencionar, outrossim, que, quando da qualificação positiva para a prática do ato de averbação, o título estava formalmente em ordem. Trazia o reconhecimento das firmas por Tabelião, aparentando regularidade, a evidenciar que o título fraudado foi elaborado sem o concurso de sua serventia e ingressou no fólio real sem falha de qualificação aparente.
Por outro lado, incabível também o deferimento do pedido de bloqueio cautelar da matrícula do imóvel, pelos mesmos motivos expostos” (cit.).
A decisão aguarda o trânsito em julgado. A divulgação, nesta seção, visa aos estudos e debates acerca da matéria registral.
Fonte: Migalhas
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